quarta-feira, 2 de abril de 2008

O Alho


Como imaginar que um dia eu perguntaria uma coisa dessas: cadê o alho? Eu, a pessoa que nunca usei algo dessa natureza para fazer o quer que fosse, que jamais tomei conhecimento do que acontecia dentro de uma cozinha, porque simplesmente eu vivia no mundo onírico dos sonhos... Alheio a tudo, eu tinha uma missão. E era importante. Por que aconteceu comigo, e justo naquela noite?

Lembro bem daquela noite.

Foi no dia em que a turma decidiu visitar o morador mais famoso da cidade em busca de alguma descoberta, o ato heróico que nos desse um pouco de notoriedade, fama, sucesso. Caminhamos em direção ao castelo, e quando chegamos defronte ao grande portão, acionamos a antiga argola de metal que funcionava como campainha. Todos nós ficamos quietos, nenhum ruído, abraçados pelo frio da noite – este grito a nos congelar – o medo. Ali, exatamente naquele momento em que estávamos diante da porta da casa do Conde, alguém da turma num assomo lembrou da combinação anterior, e, num tom baixinho, resolveu perguntar:

– Todo mundo trouxe o que ficou de trazer? Estaca, crucifixo, água benta, alho?

Gestos rápidos, gente tremendo, olhos fundos e esbugalhados. As respostas são nervosas, cada um apalpa o que tem na mão, no bolso dos casacos, ajeita a gola, mexe no cabelo, torce o beiço. A noite é fria, por isso nossas mãos tremem; o silêncio é assustador. De todos, sou o único a ficar imóvel, catando nos bolsos a resposta, a certeza do esquecimento; eu, o mais distraído da turma. Impacientes, os outros dirigem seus olhares para mim, eles querem a resposta (precisam saber). Na minha testa, e indiferente a tudo, um fio liso de suor desce enquanto um calor estranho sobe; mas é esquisito, esse calor todo no meio do nada, pois o meu rosto continua branco, pálido, frio como a noite, gelado, preso nas poucas gotas de luz úmida que a lua deixa cair. Minha agonia é grande; mal consigo dizer:

– Alho? Cadê o alho?

Ouvimos um rangido lento e enferrujado. Mãos brancas e compridas aparecem, movimentam a porta, esta se abre. A voz é rouca. Somos convidados a entrar.