terça-feira, 31 de julho de 2012

No chão dos meus recuerdos

Arroz. No chão, derramado. Instantes antes, na prateleira. Estamos no supermercado, e uma mãe ao meu lado assiste com franca calma ao trabalho de suas duas crianças. Elas abriram um grande pacote de arroz e agora brincam enquanto o chão vai ficando branco com pequenos trechos de minhas memórias...
A minha mãe contando a porção de arroz, separando feijão, a carne era duas vezes por semana...
O branco, ali embaixo, anos atrás, no chão das minhas raízes:
– Come tudo, deixa nada no prato não, se não vai ter lamber.
Esta outra mãe apenas ri ao voo incerto dos grãos. Indiferente ao tapete que se forma, ainda pede com calma às duas filhas:
– Deixa assim, vamos embora.
Aproximo-me.
Banho de três e cabelo em desalinho fazem a mãe das compras arregalar os olhos da fome – e puxa primeiro o carrinho de compras, depois as filhas. Sei, não devo fazer. É indelicado. Uma força de cuidado, também sei, me puxa e é assim que passo a lamber o chão.
A educação pela pedra.
Ainda ouço os gritos de mamãe:
–  Deixa comida para o teu irmão, filho.
Enquanto os gritos de Animal! dessa outra mãe me assaltam no corredor; olho fixo, ainda vejo as três em disparada antes da última varrida.