terça-feira, 13 de abril de 2021

DIÁRIO DO CONFINAMENTO - ANO II - DIA # 390

 

[18:42, 13/04/2021] Edgar Aristimunho: DIÁRIO DO CONFINAMENTO – ANO II – DIA # 390. Estive no lavabo quatro vezes hoje. De resto, fui feliz em cama, mesa e banho. Nem poderia ser diferente. Na primeira, a motivação era ventilar a casa, porque sabemos que sempre há alguma janela ou portinhola a ser aberta em algum lugar – e você realmente pode não saber onde estão todos os lugares da casa – a menos que esteja preso por conta de uma pandemia. A segunda vez que estive no lavabo, as horas iam longe, avançadas (a fome também), e é provável que alguém tenha me chamado para almoçar e eu precisasse lavar as mãos, passar álcool, depois creme, depois sabão (nem sei mais a ordem). Quer dizer, creme hidratante (adoro esta palavra: “hidratante”) eu só passo depois do almoço, principalmente se eu tiver de enfrentar o time da poderosa louça a lavar. Falando em almoço, registro aqui que, de fato, corri até o lavabo logo depois do almoço. Era a terceira vez, mas não foi para o que vocês estão pensado aí; juro que nessa visita eu só fui até o recinto para conferir se tudo estava em ordem por ali; e também para desfazer minha desconfiança de que talvez tivesse derrubado alguns dos itens dispostos milimetricamente em alinhamento espartano na bancada superior da pia. De fato, constatei que o tubo de creme estava emborcado, como um corpo cansado e caído para o lado, situação até certo ponto constrangedora para um creme de mãos de luxo; por sorte, não deixei a torneira aberta em nenhuma das idas ao lavabo. Deixar a água pingando significa a perda de muitos pontos nesta casa, onde quer (e por quem quer) que se contem esses pontos. O motivo da minha presença no lavabo pela quarta vez foi a lembrança de ter visto um mosquito. Depois de alguns minutos lutando contra aquele inseto tenaz e odioso, consegui exterminá-lo. Como escreveu Enrique Vila-Matas na abertura de um de seus livros, “De resto, sou feliz. Hoje mais do que nunca”.

VILA-MATAS, Enrique. Bartleby e Companhia. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.

300 Mil Mortes

         Há parques cujo gramado está seco, na cidade de Almas.

Avenidas vazias.

Silêncio fora de hora e são derradeiros dias, para muitos, os que morrem e os poucos familiares que ficam.

Há andarilhos desconhecidos, aqui e ali, mas estes insistem em caminhar com suas caras carrancudas, desprovidos de máscara, graça ou qualquer equipamento.

Deixam espirros pelo traçado das ruas da cidade – e os corpos enterrados muito longe.

Medo de contaminação.

Não há sorrisos nos rostos – restaram esses cafonas.

Que, disseram-me, não possuem nenhum compromisso com a razão.

De longe venho, estranha missão.

Chego tarde ao endereço, e mesmo assim permaneço um tempo sentado sem sair de dentro do carro.

Nunca gostei do que fizeram com os habitantes desta cidade – Almas –, o tratamento precoce proposto pelos governantes e que levou ao extermínio da própria população.

Em Almas, estou disposto a encontrá-los. Um a um.

Dou uma última conferida: é mesmo este o endereço – o luxo e ostentação não mentem.

Abro o porta-malas do carro, e dali retiro a sacola. Ela está pesada; minha consciência, contudo, continua leve.

Trago a esperança.


Abril de 2021