segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Karen, a estranha




O diretor me olha, e é como se me perguntasse:
– Afonso, esta não é a oitava vez?!
Era a nona.
A linda moça à nossa frente é Karen, candidata permanente ao papel principal.
E mais uma vez procuro os olhos do diretor, pois sei que ele encontrou a joia rara da Escandinávia que sempre buscou na vida. Mas Karen... Karen é muito estranha.
Chega. Quieta. Jeito tímida, meio com e sem vergonha, ela chega. E logo recebe todo carinho da equipe. Maquia-se no tempo certo. Coloca as peças que lhe entregam, e mais toalhas, demais cremes, acessórios íntimos e todo tipo proteção que o trabalho exige... Mas quando os atores chegam – e eles não são nada europeus no trato –, aproximam-se de Karen da mesma maneira que se aproximam de Sueli, Mônica ou Sinara, ela nunca entende – e recua.
Nua – ou seja lá como estiver – ela desce da cama e corre, vai embora. Deixa perfume, saudade e ainda por cima aquelas pernas.
O diretor não sabe, mas à noite Karen é só minha. E nada estranha. Mas ele já me disse que não grava à noite.

domingo, 22 de setembro de 2013

Imagina



No currículo, anos e anos de estudos e de cátedra dedicada à Língua Portuguesa; na vida, engatinhando no trivial de cada dia.
Na loja, depois de trinta minutos de indecisão, resolve pedir desculpa pelo incômodo. Mais uma vez não levaria nada...
Na resposta – mais uma dessas pragas nacionais (todo mundo por aí dizendo) –, a balconista responde:
– Imagina.

Quase vinte minutos depois, já bastante inquieta com a situação criada, ela resolve interpelar novamente o ancião:
– O senhor está parado aí há tempo... Posso?
– Imagina. Só estava tentando imaginar.

Ideia original: fevereiro de 2004.