sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Na sala de aula

Em 3019 o governo decidiu derrubar todos os estádios de futebol e construir escolas / No último jogo, o lendário zagueiro Tobias da Silva estica-se todo e salva em cima da linha o que seria o gol que daria o título ao time adversário / Quarenta anos depois, Pedro, o neto de Tobias, organiza uma partida em homenagem ao avô / Quando a professora chegou, crianças jogavam bola dentro da sala de aula / A lousa era a goleira / o neto, o herói do jogo / Ela entra grita Todos para suas cadeiras / A professora aperta o botão que prende as crianças ao assento, toma duas pílulas que abrem a memória dos docentes para os fatos históricos que devem ser esquecidos / a recomendação é do governo central / e faz uma pergunta para a classe / Ninguém sabe responder o nome do estádio destruído / o último / o estádio-mártir / Em 3059 os alunos tinham problemas de concentração.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Artifícios

Hoje vi
Percebi-me
e do quanto estou dependente dos improvisos.
São estes os meios – olho as mãos – e não me levam ao fim.
Resta tudo, o começo
Deixo-me
em pequenos artifícios.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Ponto de Partilha

Foi uma longa caminhada. Duas narrativas minhas participam dessa reunião de contos de oficina que diz tudo: o ponto de partilha é a ponte de chegada. Chegamos.

Apareçam.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

O nove no hospital

CRÔNICAS A MEU FILHO

Estou acompanhando a lição de casa do meu filho de sete anos. Entre as imagens e números, vejo que a tarefa consiste em somar números e associá-los a letras, formando-se então as palavras. Os desenhos são meros exercícios de transposição visual da palavra que se forma diante de inúmeras cenas. Meu papel é secundário nessa execução; não estou ali para corrigi-lo, tampouco completar toda sorte de esquecimento – e as crianças de sete anos são bastante esquecidas. Ele me mostra a tarefa. A impressão de que um vendaval passou pelos números, muitos estão inclinados e outros parecem que foram amassados. Sei que ele está contando o tempo e tem os pensamentos na brincadeira lá fora, daqui a pouco, como o amigo do condomínio; o tema é apenas um rito de passagem, e é por isso que toda pressa é pouco. Antes que se levante num raio, aponto o número nove, que mais parece uma cobra com a cabeça gigante, e pergunto:
– E esse aí, até parece que levou um soco e caiu deitado.
Mateus ri; em seguida apanha a borracha, apaga tudo, borra outro tanto, mas finalmente reescreve o número nove. A conta fica inteira – e o nove de pé.
– Olha, pai, o nove já voltou do hospital.