quinta-feira, 30 de junho de 2011

Prolegômenos

Outro dia eu encontrei o pai. Era um senhor vestido de sobretudo, chapéu de feltro e mãos nos bolsos. Cruzamos pelas alamedas daquele centro de compras, e eu tive a certeza de que com aquele frio só poderia ser o meu pai. Ele sempre foi muito frio comigo.
Antes de ontem o vi na rua. Era um tanto quanto escuro o beco em que ele se encontrava naquele momento, e eu tive dúvida se aquele era realmente o pai que eu sempre esperei ter. Sim, mas era.
Ontem vieram me dizer – e foi o meu irmão – que o pai seria internado em um hospital da cidade. Nunca gostei de encontrá-lo nesses lugares, mas quantas foram as vezes em que tivemos a oportunidade de escolher as formas de convívio? Receio que levarei de dois a três dias para visitá-lo. Eu sempre fui muito duro com o pai.
Agora a pouco atendi um telefonema e nada falei. Pra quê? Se já sei onde irei encontrá-lo, me digam, por que todos esses prolegômenos? Se nunca tivemos tanta intimidade, eu pergunto.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Crédito lunar

Quando ele perguntou:
– Você já leu o meu livro?

E ela respondeu também perguntando se ele estava falando do livro do George Orwel ou do Homem Perfeito, ele vibrou. Era uma espécie de vitória. Um benefício eterno.

Finalmente ela reconhecia que jamais havia concluído a leitura de seu único livro, a obra-prima O Homem Reduzido. Então agora ele descobria que passados dois anos do lançamento ela ainda não conseguira arrancar da página 10 – jamais avançara pela trilha da floresta de folhas de sua perplexidade – aquele livro. Ele vibrava, por um minuto, só um, foi muito rápido.

O crédito do homem perfeito agora seria lunar.

Ele.

O homem que chora essa pequena descoberta.