sexta-feira, 30 de novembro de 2018

24 Horas



            Na recepção do hotel em que a instituição supostamente me colocou num quarto, tenho a notícia e – vejo – ela não é boa:
            – Não há reserva em seu nome, me diz o repetitivo sujeito da recepção.
            Olho o pulso: meia-noite.
            Penso no paradoxo da situação, neste lugar onde estou – e sem hotel. Brasília, Distrito Federal, capital do absurdo nacional, setor letra tal, quadra número não sei, lote a ser localizado e me pergunto: onde encontro um hotel neste emaranhado de letra, siglas e números? Há sempre o perigo de você cair ao lado do quarto de alguém inimigo público número um envolvido em corrupção. Aqui é Brasília, e aqui não se brinca.
            Começavam ali as horas da minha procura. Ainda na recepção, esperei a distração do atendente e, sorrateiro, deixei a minha mala numa sala lateral e saí correndo. Corrido. Eu queria encontrar logo uma casa de repouso, pousada, estalagem, qualquer algum lugar, tipo de acolhimento, conversa íntima, uisquizinho 12 anos. Tive que caminhar muito – era Brasília, esta bizarria nacional – e é óbvio que andei pelos círculos imaginários de Niemeyer – a cidade não foi feita para pessoas – e me perdi profundamente.
            Foi a luz vermelha lá adiante que me salvou.
            A porta. O silêncio vinha de dentro. Bati. Demoraram a atender. Finalmente um indivíduo pesado e sonolento abriu para mim meia porta. Perguntei sobre a placa acessa 24 HORAS que havia na frente e pedi pouso. O sujeito ficou me observando um longo tempo, e, na maior lentidão, olhou para os lados e então me perguntou pelo carro, o pneu, e finalmente rosnou meio abafado: “Qual é o problema do cidadão?”, e ato contínuo foi empurrando a porta para fechar. Interrompi como pude – eu estava mesmo imprestável:
            – Tem quarto vago?
            Com o peso de seu braço forte, o sujeito abriu a pesada porta; dentro a penumbra de um grande quarto-conjugado, sei lá, foi me dando passagem e mostrou o grande sofá-cama vermelho-amotinado que ocupava inteiro uma parede lateral decadente – e foi assim que dormi quase um dia inteiro numa borracharia de alguma cidade satélite.

Novembro de 2018