sexta-feira, 13 de maio de 2022

Gomes

 

Dá trabalho ter mais de uma mulher – os mil e seiscentos reais de salário e a jornada de onze horas de trabalho lhe diziam; percorrer uma casa a cada noite, também. Sopas em dias frios, comida nova (mais raro) ou requentada (mais frequente), jantares na esquina, sanduíches rápidos no Tonho’s Bar, e toda sorte de improviso faziam de seu estômago o mais judiado de toda construção civil de São Paulo. Magro, consumido pelos dias e noites, sua energia era pouca, e nas poucas horas livres, as solicitações dos colegas eram muitas (negava todas). Por tudo isso ele vivia a sorte e o lastro dos relâmpagos que antecedem a tempestade dos grandes amores: quatro amantes pareciam muito, era o que ele pensava quando se deparou com a quinta no mercadinho da esquina. “Lucinda e os lençóis”, foi logo maquinando. Como conseguiria administrar tantas visitas? E como se despedir delas sem que vizinhos o vissem? Eram perguntas que ele fazia para si. Seus colegas de obra desconfiavam daquele homem que não contava vantagem nenhuma. Sozinho no empreendimento, martelando paredes o dia inteiro e bastante esquivo às perguntas, era ainda mais econômico nas respostas. Independente dos comentários e das perguntas, todas as noites ele se dirigia a um código de endereçamento postal diferente. Era visto em casas de cores incomuns, localizadas em ruas ermas e distantes, longe dos olhos alheiros e de sua casa, sim, todo mundo tem uma casa. Nessas andanças, estava sempre rodeando pelo perigo dos latidos dos cães. Sua rotina era o troca-troca entre jantares e lençóis. No dia seguinte, silêncio.


Lucinda, a quinta amante, sempre acreditou ser a primeira (e única), até o dia em que descobriu que não era a única (nem a primeira). Descobriu e tomou a decisão. Mas não contou para ninguém (nem podia), afinal, ela não conhecia as outras. Esperou a terça-feira, o seu dia.

No outro dia – e no restante daquela e da outra semana – as residências da vizinhança amanheceram cultivadas em seus jardins com pedaços dele. Foi a insistência dos cães – esses farejadores da miséria humana – que denunciou o silêncio de tal barbárie. A polícia foi chamada.


Nenhum calmante foi encontrado nas gavetas ou nos armários da casa de Lucinda, mas quem cruzasse por ela na rua – e os vizinhos não tiveram notícias suas por longos dias – certamente diria “ali vai uma mulher feliz”. Também em outro lugar, e pelo restante daqueles dias, foram ouvidos tímidos comentários dos colegas do pedreiro sumido, a se perguntarem, afinal, que raio de tanta sorte Deus destina a um homem só?


Agora eram cinco, por etapas, os pedaços encontrados deste homem.

Gomes.