sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Ontem à noite

Para F.

Quando ela enfim me disse tudo que pensava sobre a minha pessoa e a mim classificou como um ser de comportamento semelhante a algum partido de centro-direita (como se inclinação de algo para um lado já não fosse o próprio lado...) eu percebi que era o início do fim.

Da noite.

Dos riscos epiléticos daquela mesa de bar.

(Eu rodando nas escarpas do território familiar cuja prima as primeiras lembranças agora me trazem eu pensei e pensei e...)

...então aí pelas onze e não sei tanto da noite de ontem eu decidi que o único caminho era a fuga; e se preciso fosse eu percorreria num jato os poucos lances de escada daquele chalé, remaria calçada adiante, para ao fim e ao meu cabo embarcar no sufoco da conversação de mais um taxista reacionário.

Eles sempre são e estão ali, a esperar.

O taxista, os riscos.

(O mesmo risco diante de mim, na mesa, paineira no ar, em algum mergulho em que eu me encontrava diante de cujo centenário o seu contorno me encantava, e eu a pensar nos tortuosos caminhos da conversa do homem do táxi...)

E enquanto eu descia as escadas do meu destino interrompido, tropeçando nos ladrilhos do calçamento em falso como passista no fim daquele baile verde, me foi impossível não perceber ao lado os ventos da época, o encanto da primavera viva do pêssego maduro, vendido, ali, em feira noturna.

Os pêssegos me levaram para casa; comprei, e sacola em mãos foi aí que embarquei no táxi iniciando a conversa sem nem mesmo deixar o rapaz da direção iniciar suas loas ao passageiro noturno.

(Eu sempre quis aprender a ouvir.)

Mas não foi ontem.

Ontem eu levei pêssegos para casa.

domingo, 6 de novembro de 2011

A história da minha vida (ou carambolas)

Meu filho trouxe um tema para casa. Nele os pais deveriam escrever dois textos sobre como iniciariam a contar a história de suas vidas. De imediato, a minha primeira reação foi um princípio de pânico. Como iniciar uma coisa dessas? Era o pai contando ao filho – e tinha que ser bom. Na pequena confusão mental que se seguiu, abri espaço entre os anos, furei décadas, costurei eventos e abanei para pessoas, e ao fim desse zapping vertiginoso tive o ímpeto de começar uma delas assim:
Me pediram uma história, a minha; vou contar, afinal, não há de ser difícil contar um começo. Mas onde exatamente começa a história da minha vida? O primeiro movimento sobre duas rodas, quando aprendi a andar de bicicleta? A primeira viagem com meu pai, de caminhão? Um natal em 1974? Aquela professora da 4ª série que gostava muito de mim e força me deu? Realmente uma vida começa em muitos (e bonitos) momentos. Hoje escolhi carambolas – e aquele primeiro dia em que subi sozinho em uma árvore. Isso aconteceu na pré-escola, lá em Canoas...
Era o início.
O tema estava feito, a obrigação cumprida, e então fiquei a imaginar a continuação de tal história – a minha. Difícil crer que contá-la seja mais fácil do que jogar os primeiros dados – e o único dado real que eu tinha eram as carambolas da minha primeira infância.
Por que carambolas?
Novamente, difícil explicar. Ao contrário dos freudianos, os escritores não estão muito preocupados com as explicações dos primeiros anos... Quer dizer, só os cronistas – e então me lembro que isto é uma crônica e eu estou aqui com a mão cheia de carambolas.
Ou no pátio da pré-escola, arranhado depois de pular da árvore das carambolas, olhando para todos os lados a fim de saber se nenhum irmão lassalista me viu em pleno delito.
Era isso: as carambolas simbolizam as primeiras transgressões.
Mas era só isto: um tema a ser feito.
Ou carambolas.