quinta-feira, 29 de outubro de 2020

VÔ90

 

[18:40, 29/10/2020] Edgar Aristimunho: DIÁRIO DO CONFINAMENTO – DIA # 224. Como esquecer aquele dia em que subimos as escarpas do Morro Santa Tereza, Elisa Olívia e eu, e por ruas calçadas, bom acabamento e enormes casas entre si afastadas, chegamos ao endereço na Rua Disnard, onde um gigantesco portão de garagem estava meio que levantando, digo, aberto o suficiente para que eu pudesse ouvir o burburinho das vozes, pequenos gritos e risadas de alegria, e dentro estava contida uma multidão de familiares, creio que eu nunca tinha visto uma festa de família com tanta gente com cabelo claro, loiro, uma porção enorme de gentes alemãs e italiana, eu criado com o pessoal meio pelo-duro, meio Passo Fundo, tchê!, e entre eles, aqueles senhores e senhoras cujos cabelos mais pareciam os campos de trigo que o Capitão Rodrigo de “O tempo e o vento” viu quando chegou em Santa Fé, e então Elisa me apresentou um homem com aproximadamente cinquenta anos, e foi então que ela, minha “eterna companheira” desde aquele 1987, ela me disse “este é o meu pai”, como quem diz, “esta é a minha felicidade”, e agora eu dou um salto, o escritor sempre precisa deixar o leitor tranquilo, eu dou um salto e já estou me lembrando do primeiro dia de “aula”, estávamos eu, Toninho e esse senhor começando aquelas sessões sucessivas em que ele nos ensinaria, com calma e parcimônia, os meandros da Língua Portuguesa para que nós pudéssemos nos preparar para os concursos públicos que viriam pela frente, e recordo muito bem como ele ficou impressionando com as minhas dificuldades primevas e acachapantes com o manuseio da gramática e da língua pátria, mas ele era (e sempre foi) um ótimo professor, didático, calmo ao expor os conteúdos, firme diante de minha inquietude de pessoa desinquieta, e um a um fomos destruindo os empecilhos, os travamentos, o vendaval de erros primários e os infortúnios de uma escrita ainda longe da sua melhor construção, porque, sim, eu trazia fissuras abismais em minha formação, mas Luiz Ângelo, este senhor e meu professor, foi além, foi meu tutor para as coisas da vida, as práticas e as filosóficas, e tempos depois ele já era um parceiro de viagens, dosador de leituras, um espectador de filmes em nossa casa e até sobre aquela peça indispensável chamada celular algum dia, sim, conversarmos, e de tudo o que fica dele, dessa pessoa, hoje aniversariante, data redonda, noventa anos, o que fica dele em minha mente/epiderme/coração é o aprendizado, os livros, a sua memória privilegiada, as histórias contadas, e se não posso chamá-lo de pai, hoje, sei que tudo que ele me ensinou na vida será sempre algo que um pai ensinaria para um filho, e é certo também que ele me guiaria agora para que eu não terminasse um texto assim, feliz aniversário e uma vírgula, mas eu discordaria porque a vírgula e a vida, sim, elas continuam,

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Elisa Olívia

O primeiro dia não esqueço. Ela estava de vestido branco, cabelos encaracolados, loira feito a manhã. O lugar era o silêncio dos amantes: Campus do Vale, Instituto de Filosofia e Ciência Humanos. A sala de aula no final do corredor; ela, na entrada do prédio. Eu estava chegando para as aulas de História, e aquela foi uma das manhãs mais iluminadas da minha vida. Lembro cada detalhe desse dia. O dia em que conheci Madalena. Ela não tinha esse nome naquela época. O ano de 1986. Chamavam ela de Elisa. Depois, fiquei sabendo, Elisa Olívia e sobrenome italiano. Daquele dia em diante ingressou de maneira definitiva em minha vida, começou a percorrer as páginas de meus “cadernos de pensamentos” e neles entrou de vez, onde virou a “eterna companheira”. Dali, nunca mais saiu – do meu coração. Elisa Olívia Madalena habita, desde então, o meu coração – este músculo involuntário e arisco em cuja arquitetura sentimental ela está sempre operando em obras, carinho, compreensão. Hoje, contudo, não: ela está de folga. A revisora Madalena está de folga. Minha Neura não vem hoje. Janete Jane já disse: nada de tratamentos estético. Neste 8 de outubro, o dia do seu aniversário, viveremos juntos como se este fosse o dia mais importante de nossas vidas porque hoje é mais um dia em nossas vidas. E nossas vidas importam. A minha pessoa, Madalena, perto de você, Elisa Olívia, estaremos juntos. Todos, todas. Madalena, Janete Jane, minha “eterna companheira” e eu, Chicão. Parabéns!


8 de outubro de 2020.

domingo, 4 de outubro de 2020

Manual para enfrentar um Domingo chuvoso

 MANTENHA a serenidade. Os ciclistas te acordam nos domingos faz muito, e você é um sujeito que só tem preconceito de quem diz que não tem nenhum preconceito.

ANTES DE TUDO, TOME um longo e descansado café da manhã; imagine-se num hotel afastado de onde você não poderá sair.

ENTENDA que você não tem nada para fazer neste domingo, a não ser comer, beber, dormir e ler.

DURMA. Mesmo que seja onze da manhã.

COMA BASTANTE. Quando não se consegue fazer nada, o melhor a fazer é comer, beber, dormir, ler.

SE BEBER, durma; nunca tente ser você se você já não é mais você.

SIM, você acaba de lembrar que já dormiu pela manhã; então, vá assistir um filme.

ESCOLHA um filme lento, com mais de duas horas de duração; quando terminar a projeção, certamente já será noite (anoitece cedo em dias nublados) e você terá a sensação de que não perdeu o domingo. Só a sensação.

COMENTE com o pessoal de casa sobre o tempo lá fora; isso os deixará sem vontade de quebrar a quarentena (é provável que olhares estranhos lhe sejam dirigidos); a muita gente no mundo circulando com o vírus por aí.

LEMBRE que você está em meio a uma pandemia, e o melhor a fazer é torcer para muitos outros domingos chuvosos te deixem longe do coronavírus.

CULTIVE a tranquilidade diante das críticas que serão dirigidas a vocês; escrever é como um domingo ominoso. Quase sempre, doloroso.