terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Sobre bancos e cadeiras

 Levantar foi o meu erro.
Da cadeira incômoda daquele café, perdido às três da tarde em dia útil, o chamado até ali sem razão, horas antes, a angústia da espera, o nervosismo dela registrado em duas fatias de torta de chocolate sobre a mesa concluída, e eu chegando para aquele encontro, sem beijo ou segunda-feira.
Suas palavras não esperam o café:
– Acabou, Luiz Otávio.
O meu pedido suspenso no ar, a garganta seca, a pedir agora nenhuma gota de café, nervoso, a pedir somente água, muita água ao meu redor, quando a garçonete enfim arrematou:
– Só isso?
E eu admirado com a pergunta dela, totalmente desprovida de sentido diante do olhar duro de Ritinha... Será que não sabe o meu sofrimento, ser acusado de ter dado em cima da Manoela, a melhor amiga da Ritinha, e Rita à minha frente era um monumento de incomunicabilidade:
– Acabou.
Dos rios caudalosos de nossas longas conversas nos bancos e poltronas desta cidade, agora daquela secura, e ainda mais seco fiquei quando a garrafa de água mineral aportou numa pancada única, e impulsivo eu levantei em busca de ar, de vida, de esperança, e havia a calçada, depois rua, atravessar em cegueira bruta, daí um carro no contrafluxo dos meus impulsos, brecada seca, duro, o som de gritos, pneu e buzina, o outro lado da rua, era seguir em frente, duzentos e cinquenta metros, a praça, o banco, onde costumávamos sentar a ver o rio lá adiante, a sombra encurvada das árvores, fechar os olhos, sonho.

Ele senta ao meu lado, e eu pensando que as pessoas bem estão perto de mim como de mim podem se separar, esse impulso, e um longo tempo depois, quem sabe horas tenham se passado eu sentado no sol forte do fim de tarde, eu quase passado, ali presentemente, e a noção de tudo muito longe longe longe, aquele Acabou bastante árido árido árido, e me senta um velho que começa a falar de um dia num café, de uma conversa que mudou sua vida, a sua mulher, Rosalina, sentada à mesa do café a lhe cobrar postura de gente, dignidade, o emprego, casa, porque não casamos, e ele lembra que levantou num raio e embora foi para depois ver Rosalina em amores outros, casamento, filhos, felicidade, a rotina tem o seu encanto, enquanto ele tocando a vida sozinho, neste instante mais-que-presente a falar com um estranho em praça da municipalidade.
– O moço, o que acha?


O erro foi levantar-me.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

A mochila

CRÔNICA PARA MEU FILHO



O retorno às aulas é aquele estado de exaltação, frenesi e êxtase – como este:
O ato de entregar a mochila ao filho, e dizer:
Vê se não esquece...
Nem ouviu o resto.
Tchau!
Já ia longe.
Decerto ali matutando, neto de sertanejo, desconfiado, talvez já engenhando o que o pai vai ficar pensando dessas garotas a 120 km por hora apenas para lhe dizer
Oi, …. Saudade, …. Quanto tempo, ….
Sim, meu filho, os colegas de escola costumam ficar com saudades.
Mas ele nem ouvi esse meu pensamento porque enquanto uma delas o puxava pelo braço, a outra veio até mim para falar sobre aquilo de “quanto mais queijo menos queijo”, e então lembrei de alguma postagem, dias atrás, que falava sobre a lógica do queijo suíço.
A Suíça, este país no centro do noticiário internacional.
Impossível seria não pensar nos milhões de mochilas, cadernos, escolas que poderiam ser compradas com todo o dinheiro escondido por lá... Mas hoje eu estou melodramático. Hoje estou Raymond Carver e só consigo pensar nela.


A mochila que ele esqueceu.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

O amor acaba (brócolis não)

Raymond Carver sempre disse que a simplicidade está nas pequenas engrenagens de nosso cotidiano.
Esqueceu de dizer que o cotidiano é feito de pequenos atos sinceros de amor.
E outros desencontros.
Alguns não entendem - como de resto não entendem o que é comer brócolis com o maior amor e convicção.
Por isso não como brócolis.
E por vezes não acredito no amor.
O amor acaba.
Brócolis não.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Janelas

 Desconheço um tanto desta manhã. São, contudo, fortes os indícios de que ela começou. Janelas abertas, roupas jogadas no varal, a garrafa de rum – resquício da noite passada. Mas hoje é hoje. Sou outro, em outro apartamento. Como vim parar aqui? Estranho também não reconhecer a mulher deitada atrás de mim, enquanto fumo virado para este pulmão aberto que é o Conjunto Habitacional D´Ornellas. Esse nome pomposo, passado, vivido, retraído, o sujeito culto que fui – hoje: armarinhos, representações e outro pequenos negócios escusos. Sobram essas janelas. Apoio-me nelas. Sinto um desconforto. Existir - a que será que se destina. Será que a retiro do sono profundo ou deixo dormir? E de repente estou de novo na sala de meu apartamento, e no avançado das horas vagas, eu aqui a esperar que ela se levante, puxe um cigarro e depois se aproxime da janela em seus passos de bela adormecida, eu então a abanar, o sorriso 24 horas de quem sabe mais tarde (sempre depende dela), e então eu passo a sonhar com mais uma noite em seus lençóis, depois que outros passaram, passo eu. Este desconhecido em que me transformei.