sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Conferência


Estava o casal na sala de estar de sua residência no Boulevard Saint Germain discutindo o diagnóstico de cancro terminal do marido quando o telefone tocou. Era do colégio da filha. Comunicavam que a filha havia desaparecido. O pai baixa o aparelho no gancho e pergunta se deveriam ir até lá.
No colégio, estão na sala da diretora. Ela oferece café e croissant, fala sobre a linha de pobreza em Uganda “e na África” e acrescenta informações a respeito da campanha da Escola para o “Fundo das Ilusões Perdidas”; os pais nada comentam, nem acrescentam qualquer coisa a não ser a pergunta:
– A senhora nos chamou por que motivo mesmo?
Num impulso rápido a diretora levanta-se e pede para que a acompanhem.
Agora estão na sala de aula da filha; a professora está ao lado, mas é a diretora quem toma a iniciativa de começar a fazer a chamada. Quando chegam no nome da filha, uma garota nos seus doze anos levanta a mão; ninguém vê nada nem se mexe do lugar. A diretoria encerra a conferência, dirige um olhar de reprovação à professora, pergunta sobre o cuidado com a caixa de giz e em seguida sugere que os pais procurem a delegacia de polícia mais próxima. Apesar de trabalhar há vinte e cinco anos na Escola, ela não sabe onde fica a delegacia mais próxima.
Na delegacia, é o chefe de polícia quem recebe o distinto casal. Que pergunta se é conveniente a mocinha de vestido azul ficar junto; nenhum dos pais se manifesta. O delegado da chefatura logo pede a descrição da menina desaparecida, acrescentando, a seguir, se a menina aí ao lado poderia se aproximar de sua mesa. Passa então tomar as medidas da garota. Por fim, chama seu auxiliar e lhe alcança as informações sobre o perfil da desaparecida, cujo conteúdo havia anotado antes. O auxiliar do chefe de polícia pede licença para chamar o tenente, mas é o sargento de plantão que atende a seu pedido. Nunca sabe qual a diferença entre os dois, dados os cento e poucos quilos de cada um deles.
Os pais perguntam se aquele é o guarda que vai procurar a filha deles, o sargento Remi não gosta, é sempre ele que tem que voejar por aí atrás dos desaparecidos.
Antes de sair, o cabo de prontidão pergunta se pode levar a garotinha para ajudar a procurar a filha desaparecida. Ninguém presta atenção ao que o soldado raso diz. O chefe de polícia fala das maravilhas de sua nova lancha na Riviera; os pais, do preço alto da mensalidade da escola. Todos mexem a cabeça, concordando.
A filha é encontrada pelo Cabo Donizete, dois dias depois.
Agosto de 2018.

LEVEMENTE INSPIRADO  EM SEQUÊNCIA DO "FANTASMA DA LIBERDADE"