segunda-feira, 21 de junho de 2010

Sacha (as coisas de Ramiro)

No escritório, seis da tarde. O círculo de pequenos executivos está ao redor de uma mesa posta: doces, salgados e algumas garrafas de refrigerante. O motivo da festa é que é o último dia da estagiária na companhia; recém formada, ela agora não poderá ficar mais trabalhando nesse estágio. Ela sorri, mas queria ficar mais um tempo ali. Por razão que ela não se conhece, o gerente, Ramiro recomendou sua contratação, mas a diretoria, sem muita explicação, disse não.
O constrangimento é geral. Melhor funcionária do que muitos ali presentes, Sacha vai embora sem mesmo saber por que não foi efetivada. Olha ao redor; todos riem, alguns estendem o prato e pedem mais uma fatia.
Paulo, o subgerente, observa o nervosismo no rosto da menina, na mão que corta a torta imaginando solicitudes. É Sacha. Mas Paulo nunca foi muito otimista em relação a ela. Sacha ri, nem desconfia, e alcança a melhor fatia de bolo para ele. Paulo também ri, depois vira o rosto, gira pela sala, procurando conversa, procurando Ramiro. Onde está Ramiro? ainda pensa quando vê o espaço vazio ao seu lado por um dos tantos chatos ali presentes.
A chefe imediata de Sacha, a Senhora Matos e Silva, está bem longe. Só agora ela repassa o dia e percebe que poderia ter aproveitado melhor o último dia de sua estagiária, afinal já faz quinze minutos que ela largou a última tarefa. Um desperdício essas garotas e suas miniblusas, microsaias, isso tudo bem pouco. Sim, precisa falar com Ramiro. Mas onde ele está o bendito cujo?
Carolina, a outra estagiária, é a única contente no amplo espaço do décimo sétimo andar. Tão contente que agora mesmo inventou um copo de bebida derramado na blusa, e zás, pronto, saiu. Correndo para o banheiro. Suas demoras no banheiro já são uma marca registrada e objeto de desconforto para a chefia imediata ali presente.
Meia hora depois, ela ainda não voltou. Olhares. Risos baixos. Alguém lá do canto comenta:
– E Ramiro, ele foi embora? – não fala muito alto, com os negócios do funcionário Ramiro ninguém gosta de mexer. – Sujeito esquisito.
O outro aponta:
– Mas ali estão as coisas de Ramiro.
O outro espera todos esquecerem esse circunlóquio ao redor de Ramiro. Então desliza o corpo, serpenteia ao redor da mesa, abaixa-se sobre a cadeira giratória, tal fosse apanhar um achado, e olha, inspeciona. Na mesa: uma extensa tabela, números, dados estatísticos, levantamento de um sem-número de coisas; algumas canetas espalhadas, uma bola de tênis e um velho caderno, similar a uma caderneta de viagem. Sorrateiro, aproxima-se, folheia, abre uma página, é a última. Logo se vê um grande desenho, de um rosto, e é um rosto conhecido.
É Sacha.
Este é o caderno de Ramiro; poucos sabem, mas ele sonha acordado em algum canto do penúltimo andar.

No banheiro, Ramiro chora sobre as mãos, e sobre os seus ombros outros braços, ainda novos e promissores, acolhem o seu soluço.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Hermes

Quando Hermes chegou em casa, ele não encontrou ninguém, nada que indicasse vida no apartamento. A louça suja na pia e a televisão ligada indicavam que haviam saído às pressas, como quem foge. Nem a consideração de um único bilhete, mesmo que fosse de despedida.
Desconfiou do papel que viu em cima da mesa. Era uma intimação, aviso de despejo, algo parecido. Negócios que ele teria que resolver – enquanto os outros bem longe.
Onde?
Lembrou o trabalho que teria pela frente. Livra-se do apartamento e sem dar na vista de ninguém; evitar os comentários e a curiosidade do síndico; tarefa árdua, logo ele, o menos experiente da organização. Pensou em um mensageiro (o chefe adoraria saber que ele tomou uma decisão), um garoto de recados, uma criança. Lembrou que estava com sede e abriu a geladeira.
Calor.
A geladeira vazia.
Fria.
Nem uma garrafa de água.
Voltou para a sala, desligou a tevê (sim, ainda estava ligada).
No quarto procurou suas roupas (os infelizes tinham levado tudo).
Ao lado do roupeiro, uma garrafa de leite (cheirou – mais uma noite mal dormida).
O leite sempre acalma Hermes.
Bebeu.
Onde teriam ido?
Televisão sempre o deixa nervoso.
Será que voltam?
Hermes sentado ao lado da cama, o lençol desfeito, a sensação de que antes de irem tiveram a gana de deixarem seus cheiros evolando-se pelo quarto.
Agarra a ponta da fronha, o travesseiro é uma pasta ao fundo, e tudo está muito confuso na vida de Hermes.
E ele chora.