Deus existe pra todos
(e de várias formas)
No labirinto dos olhares de um bar cujo nome e cerveja lembram a Irlanda e seus nevoeiros, um homem esquece Deus. Está em paz, nada deve a ninguém, ninguém lhe deve nada e agora está metido em uma mesa onde o arriscado debate com os parceiros é uma armadilha para os seus planos definitivos. Ele foge, vaga pelas lembranças de outras calçadas, outra Dublin. É preferível o magnetismo pragmático dos olhares ao seu redor do que a cerveja escura de um morno debate.
O bar enche, os amigos já estão atrás do nevoeiro. A toda hora, gente chegando: meninas, garotas, maquiagens, formas, são muitos os pedidos. A escolher, mas a escolha tem um tempo.
O bar cheio, as pessoas ficam cada vez mais próximas, os lugares são poucos e são tomados, um a um, pelos eufóricos. Ao seu lado, uma a uma elas se aproximam: em bandos, cheiros, magias. O debate ficou na voz de algum colega perdido na validade do fluxo de consciência de Ulysses. Agora elas estão em cima dele, é outro fluxo, delírio que avança, assoma, e o diálogo é rápido. O jovem professor Leopold esquece os labirintos de Joyce, por um instante objetivo e literal:
– Quer sentar?
Ela se abaixa, o ouvido uma concha, um vento adocicado traz seu cabelo, olhares, sugestões. Abaixa e ri.
Sem a intenção de levantar, o homem ali sentado vê abismos, possibilidades, atitudes. Sorri, sorrir é a sua resposta. A resposta de alguém que vê a luz e a graça de Deus: a consciência do fluxo.
Mergulhado noutro sorriso, ela apenas senta. O espaço é pequeno, só cabe um; mesmo assim estão juntos sentados. E juntos, o espaço vai ficando amplo, o bar aumenta caminha vai embora – a bomba chamada Bloom abana para os amigos que partem no vapor que se afasta, enquanto ele voa ao lembrar:
Deus existe pra todos
(e de várias formas).