Mais e menos
(É uma mesa redonda.)
Nela, olhares muitos circulam de um lado para o outro. Não há barulhos, conversas ou demais tonalidades. Há, sim, vacilos, há pessoas que fogem com seus olhares e há até mesmo senso de humor; outros que escolhem o momento certo para espiarem ocasionalmente a curiosidade alheia. É um jogo – e ele está no centro do encantamento. É mais ou menos como um zero a zero no qual cada um cuida do outro sem que haja alguém que sustente por mais de dois segundos esse olhar. Não há desempate, desenganos. Nem certeza ou desencanto.
(As cadeiras traduzem simetria e formalidade.)
Ninguém move músculos, poucos são os eventos.
Agora mesmo, alguém do outro lado levantou os olhos: inspecionava. Como gado, como flor, como porta. Desviou, fugiu pelo rabo de um olho; um terceiro adiante entra no jogo, mas escapa, e tudo parece uma fuga sem-fim. Nesses encontros ocasionais em que parcelas de compromisso juntam pessoas com algo em comum, foge-se do quê?
(– Boa tarde.)
Outro foge das duas lanças redondas que apontavam para ele. Dragavam os sentidos ao sustentarem o olhar de macieira. Agora se vira para o infinito do colega ao lado. Vazio, fastio que tem efeito ainda pior: fica-se sem a fala. Numa mesa feita de circularidade e sentidos, alguém enfim consegue assentar:
– Mais e menos.
E dali ninguém saiu (ou entendeu). Embate de instâncias neutras. Fifty-fitty. Um jogo circular. Um neutro artesanato de vida. A realidade de um outro mundo – o desconhecido.
(Alguém ao seu lado assopra.)
Mas quem? Durante longas horas, o trabalho em giro cinza e frenético: um olha, o outro desabona. Então ele é alguém intrigado com o eterno movimento pendular dos que estavam à mesa. Só ele? E o que seriam aqueles desvãos? Paixão embutida? Restos humanos na cadência de um acidente geográfico de olhares que buscam os ínvios caminhos e só encontram...
(Impossível saber.)
Ninguém sabe – e a pulsação ainda continua um nível a mais, um nível a menos. Um lá, outro acolá. Dois mundos: gente diferente em grandes distâncias.
Entre os presentes, entre os ausentes: esses fantasmas sentados ao seu lado.
(O primeiro integrante da mesa, enfim, chegou; a reunião vai começar.)
Nela, olhares muitos circulam de um lado para o outro. Não há barulhos, conversas ou demais tonalidades. Há, sim, vacilos, há pessoas que fogem com seus olhares e há até mesmo senso de humor; outros que escolhem o momento certo para espiarem ocasionalmente a curiosidade alheia. É um jogo – e ele está no centro do encantamento. É mais ou menos como um zero a zero no qual cada um cuida do outro sem que haja alguém que sustente por mais de dois segundos esse olhar. Não há desempate, desenganos. Nem certeza ou desencanto.
(As cadeiras traduzem simetria e formalidade.)
Ninguém move músculos, poucos são os eventos.
Agora mesmo, alguém do outro lado levantou os olhos: inspecionava. Como gado, como flor, como porta. Desviou, fugiu pelo rabo de um olho; um terceiro adiante entra no jogo, mas escapa, e tudo parece uma fuga sem-fim. Nesses encontros ocasionais em que parcelas de compromisso juntam pessoas com algo em comum, foge-se do quê?
(– Boa tarde.)
Outro foge das duas lanças redondas que apontavam para ele. Dragavam os sentidos ao sustentarem o olhar de macieira. Agora se vira para o infinito do colega ao lado. Vazio, fastio que tem efeito ainda pior: fica-se sem a fala. Numa mesa feita de circularidade e sentidos, alguém enfim consegue assentar:
– Mais e menos.
E dali ninguém saiu (ou entendeu). Embate de instâncias neutras. Fifty-fitty. Um jogo circular. Um neutro artesanato de vida. A realidade de um outro mundo – o desconhecido.
(Alguém ao seu lado assopra.)
Mas quem? Durante longas horas, o trabalho em giro cinza e frenético: um olha, o outro desabona. Então ele é alguém intrigado com o eterno movimento pendular dos que estavam à mesa. Só ele? E o que seriam aqueles desvãos? Paixão embutida? Restos humanos na cadência de um acidente geográfico de olhares que buscam os ínvios caminhos e só encontram...
(Impossível saber.)
Ninguém sabe – e a pulsação ainda continua um nível a mais, um nível a menos. Um lá, outro acolá. Dois mundos: gente diferente em grandes distâncias.
Entre os presentes, entre os ausentes: esses fantasmas sentados ao seu lado.
(O primeiro integrante da mesa, enfim, chegou; a reunião vai começar.)