sexta-feira, 6 de maio de 2011

Alta costura

O-I

A vida inteira.... agora ela está bem. Vive o delírio de estar nas alturas. Agora falta pouco.
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Nos primeiros dias, trancadas no sótão; depois o resto da vida.
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A vida inteira Dona Esmeralda viveu na região serrana do estado. Pessoa respeitada. Referência religiosa. Costureira de bairro. Trabalho social na comunidade. Lá viveu, de lá nunca saiu; mas não foi por falta de vontade dos parentes, que tentaram levá-la para a capital, para a “cidade grande”. Desistiram no dia em que ela anunciou que se retiraria para o mundo a alta costura.
Ninguém entendeu a decisão. Ainda mais considerando-se a idade avançada. O consenso: era hora de parar, e não de continuar. Ninguém entendeu.
Então numa tarde qualquer e sem muito alarde ou barulho, Dona Esmeralda chamou os filhos e pediu que colocassem a máquina de costura no sótão. Olhares de alívio: ela se aposentaria. Só que ninguém conseguiu convencer a velha anciã de plano tão estapafúrdio: morar no sótão. Afinal, ela já vivia de forma confortável na ampla casa em que acolhia seus quatro filhos, as noras, os netos – e todos a se perguntarem: pra quê aquilo?
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Nos longos anos em que permaneceu estabelecida no sótão, sonhava com o sucesso na alta costura. Apartada dos demais, os de baixo (como ela os chamava agora) quase nem lembravam da velha Esmeralda, tal as discussões em torno da herança da falecida viva. Lá no alto, alheia a tudo, ela falava sozinha entre um intervalo e outro de corte e costura imaginária. Sempre concebendo lindos desenhos, tecidos trabalhados em suaves cortes, os olhares de admiração, os casamentos preparados, a noite de gala, a consagração nas notas de apreço nos jornais do dia seguinte... Dona Esmeralda gozou uma vida de sucesso – e tudo aconteceu num tempo muito depois de sua mudança para o sótão. Para as alturas. O eterno delírio, esquecida e incompreendida pelos fascínoras que se alimentavam das bordas de sua herança em vida.
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De lá não saiu (já sabemos), mas nada impediu que de lá comandasse os seus atos finais.
Aquele desejo: escrever o próprio obituário.
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Longos anos de espera e os parentes nada obtiveram de Dona Esmeralda. Só quando abriram as portas do sótão, dias depois do ocorrido, é que perceberam o papel preso à mão. Nele escrito:
“A vida inteira....”