segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O adorador de toalhas

Na exatidão desse final de tarde despretensioso, e do ponto de vista em que se encontra de dentro desse carro coberto de vidros escuros e estofado com o mais legítimo couro, ele observa a vizinhança desse bairro que tem a cara dos lugares antigos, esquecidos na sua inocência das cercas baixas. Por não ser daqui, a este sujeito tudo parece distante e por que não dizer, composto por uma doçura que só se encontra no caminhar, nos gestos e nas palavras dessa gente simples da periferia – aqui e até certo ponto fascinante. Como aquela corrida também despretensiosa ali do outro lado da rua, uma dessas raras corridas com cheiro de infância que não se vê mais, que não se vive mais. Pois são dois adolescentes brindando a sensualidade dos corpos suados do fim de tarde, luzes toscas no horizonte, o tardar das horas, a longa espera do quieto animal do outro da rua, este que espreita. Olha e logo identifica: um deles carrega uma toalha molhada, e com ela bate no traseiro do outro; e o outro foge, e ri, e nem olha o mundo ao seu redor (o olhar fixo desse senhor de cinquenta e dois anos sentado num carro importado), nem olha o outro mundo (o mundo daquele que perde um pedaço de sua tarde em busca de algo, algo que aqueles dois podem lhe dar). Parecem brincar, os dois, e não se molestam com o olhar parado do bem-sucedido senhor que apenas alimenta a sua fome. Há uma inocência naquela cena, essa mesma inocência que se perdeu ali, naquelas mãos agarradas ao volante.

Era um amigo mais velho.
Uma corrida pelo divino mato das ruas da sua infância.
Risos, ausência de culpa, algumas toalhas molhadas.
E o mais novo era esse mesmo adulto que agora olha os dois adolescentes em chamas. Ele só acredita no seu objeto do desejo.
Ele, o adorador de toalhas.