quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Sobre formigas (e mortos)


Na reunião do grupo de trabalho de prevenções a epidemias, quando pediram o açucareiro para dosar o cafezinho, alguém apontou e foi logo avisando:
– Está cheio de formigas.
O representante dos estatutários veio em auxílio com o velho clichê, comentário com gosto de mala:
– Dizem faz bem para os olhos.
E todos riram.
Depois silêncio.
Que foi quebrado desde a outra extremidade oval da mesa pela diretora do hospital, que aos gritos irrompeu:
– Do açúcar ao morgue, e vice-versa; caminham por todo o hospital; não respeitam nem os mortos. Praga.
Todos estancaram suas xícaras no ar, movimento paralisante e nervoso – e o café foi definitivamente rejeitado naquele dia; dia que ficou consagrado a explicações sobre a organização das formigas e seus caminhos pelos corpos mortos da câmara mortuária. Onde, agora todos sabiam, também circulavam os pequenos insetos.

O único que continuou bebericando seu cafezinho foi o Hidelfonso, mas Hidelfonso não conta, ele sempre foi um peso morto na assemvleia dos mortos.