O pente
Sentei-me no parque hoje à tarde. Cansei de olhar aquelas árvores do alto de meu prédio, dois quarteirões adiante, e resolvi quebrar silêncio desse resto do dia. Desci, atravessei a grande avenida, cruzei um trecho de terra até encontrar um banco livre; depois sentei-me. Por um instante senti a harmonia dos passos daqueles que cruzavam pelas pequenas vias, caminhos, bosques.
O silêncio era o mesmo de outras esperas, quando ela chegava com seus longos cabelos esvoaçantes oxidados pelos raios gelados do começo da primavera fria de Montevidéu. Então ela abria a bolsa, retirava de dentro uma escova de cabelo e começava a erguer a lenta obra que seria o seu penteado. Nesse processo, ficávamos um longo tempo sem nos olharmos, como se tudo já tivesse sido combinado. Ali começava nosso encontro, sem palavra, apenas sinais, códigos, parábolas de braços entrelaçados, dali até a rua das obscuridades.
Fui acordado pelo indivíduo. Sem aparente razão, ele sentou-se ao meu lado, mesmo percebendo, naquele instante, que o parque começava a ficar deserto. Quanto tempo fiquei em lembranças de meu tempo com ela? Também sem nenhuma cerimônia ele retirou do bolso interno do casado um pequeno pente, de aparência escurecida, gasto pelo tempo. Seus cabelos eram secos, os movimentos ríspidos, lentos e ondulados, mas nem cuspindo ele conseguia avançar no trabalho. No primeiro gesto mais brusco, o pente rachou.
Pus a mão no bolso de minha calça de sarja e lhe alcancei o meu pente, lembro, presente de nosso primeiro encontro secreto. Apanhou o objeto, examinou-o por todos os ângulos, virando-se, inclusive, em direção aos últimos raios de sol, como se examinasse um tesouro (a cor dourada do objeto criava essa sensação). Bateu as duas mãos contra o objeto, assoprou-o como um Deus dos Ventos e o colocou no bolso interno de seu surrado paletó.
Pensei em contar-lhe sobre aquele presente… não tive tempo.
Levantou-se e foi embora. Como chegou, como saiu.
Deixei-o seguir. Quando ele já ia longo, levantei-me e segui em frente, vencendo as alamedas e a felicidade dos que estavam no parque àquela hora. Olhei ainda uma vez em direção ao sol: ele caía atrás das últimas árvores. Esfriava. Instantes depois, retornei ao apartamento gelado em minhas recordações, venci o longo corredor de parquet, abri a porta do banheiro e aproximei-me do espelho. Meus cabelos estavam em desordem. Lamentei ter deixado com o desconhecido o presente que ela me dera.
Eu estava sem nenhum pente.