sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Depoimento de um carteiro

Perplexo
À beira do portão
Na iminência de uma entrega qualquer
Volumes pacotes cartas comoção
E o coração em desalinho
Diante do rodado de perfume saia sorriso a aproximar-se do portão
A garota corria atender o carteiro Tobias
Mas ele foi enigmático:
– Burocrática é a minha correspondência, mas não minha intenção.
O depoimento incompreensível.
Vaza
Razão
O homem perplexo
A roupa a pasta o cabelo – também o coração – agora em desalinho
O rosto o tchau ela se vira em súmula compulsão
– Até !
Passos rápidos casa adentro saindo
Ele, perplexo, ainda
Cartas pacotes volumes em remessa expressa ao chão
Hoje a entrega comprometida
A frase dita, esta não volta mais.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Separação

No final, apenas o fim.
Deixei-a ali, no entreposto dos descartes. Armazém 14. Zona proibida. Espaço entre dois prédios do velho estaleiro – e foi ali que abandonei aquele casamento – que o rio levou.
Primeiro as pernas – e creio que foi há uma semana; dia seguinte abandonei os braços; quatro dias atrás o tronco; a cabeça guardei para hoje. O grande dia. Hoje.
Hoje eles aparecem.
Sirenes. Freadas. Gritos de Parado! Vieram, os dois. Armas apontadas em mãos e rostos fechados. E foram logo: Larga isso! E o outro lá: Mãos na parede. E ela, ainda em estado precário e inacabado de uma obra em construção – boneca desmontada em no chão de brita – enquanto lá atrás, ao fundo, o rio era contínuo em seu violento e repetido movimento. Era observador a consumir-se na breve espera que dividia a minha mais profunda alegria daquele mais recente (e último) fragmento – o capítulo final de minha separação.
Jogada, ali ficou ela: prova de meu delírio a aguardar mãos peritas e insensíveis.
Não as minhas.
Nas minhas, algemas e perplexidade.
Em viaturas. Adiante algumas ruas. Logo chega o cárcere. Até que enfim sozinho. Depois nunca mais ela, depois nunca mais rio, nunca mais pedra, pedaços, pedidos.