Federal
Todos os dias, sem muito pensar, ele embarcava
no ônibus da linha metropolitana que atendia as quatro cidades grudadas na
capital – e sentava no mesmo lugar. Escolhido, nesses todos dias, por um único
critério e ponto de vista. Afinal, era preciso invariavelmente ficar no ponto
estratégico daquele coletivo. O único lugar, aliás, em que sabido ele poderia
observar todo o movimento. E toda ação. Dele, o cobrador. Que ao longo do
trajeto de hora e meia – paradoxo – era a única pessoa que não tinha lugar
certo nem definido. Nos intermunicipais daquela época o trocador cobrava a
passagem de pé. Circulava pelo corredor. Pastinha presa debaixo do braço, ali
as notas, ali os bilhetes. As passagens eram cobradas a partir do fundo do
carro, da condução, pelo longo caminho, tortuoso, espaço apertado por entre o
bate-e-encosta junto aos passageiros (repito, de todos que restavam de pé). Os
coletivos viviam lotados. Cobrava do fundo para a frente do ônibus, num vai e
vem que se consumia pela tentativa de fazer duas coisas ao mesmo tempo: cobrar
a passagem e avançar com o veículo em movimento. Balanço. Calor demasiado
humano. Inclinação. Frenagem. Novo malabarismo. Cheiro de óleo, de freio, suor,
alguma incompreensão. E os solavancos do motorista lá na frente faziam das notas
e das pequenas moedas objetos de alto risco monetário; media-se o bom cobrador pela
habilidade de nunca deixar nada cair no chão. Nem os bilhetes! Principalmente
os bilhetes. A magia dos tíquetes. Presos em talonário fixo à pastinha de
braço. Objeto grudado ao seu corpo. De onde se retiravam as passagens. A
diferença dos trajetos inscritos nas cores dos comprovantes cuja entrega
deveria ser feito pelo passageiro na saída, para o motorista, fiscal, escambau;
e essa diferença nas cores definia também os preços de acordo com a distância do
trajeto pago, percorrido, ali, muitos de pé mesmo. E eram exatamente as cores
dos bilhetes que mais fascinavam o passageiro daquela agonia: a de conferir
cores e trajetos, escolhas e pagamentos, as mesmas pessoas, a mesma bilhetagem.
Ele sempre escolhia uma cor diferente, um trajeto adverso, um local de descida
ao longo da BR-116, a
Federal. Até o dia em que trocaram o rapaz que cobrava, surgiu ela, mãos em
riste, unha, batom, a primeira cobradora da empresa de ônibus, e no embaraço
daquela viagem de contrariedade, aconteceu de ele pedir o ticket de uma cor e
descer na outra, e na atrapalhação do pedido/descida, ele fez menção de
desembarcar no ponto errado, o motorista não gostou, o fiscal viajava junto, e
ele nunca mais pode entrar no ônibus da linha Federal.