Papai Noel está morto
Foi do marido a idéia de não contratar um Papai Noel profissional. A escolha caiu, mais uma vez, no tio Alcindo. E mais um ano, ele estava atrasado. Na sala, a gorda lista de convidados trocava copos e sorrisos, impacientes com a espera. Todos aguardavam a sua chegada: as crianças inquietas, quase meia-noite, hora de revelar os presentes, cortar o peru, abrir a champagne, brindar. E nada do tio Alcindo. Depois dos pequenos, a dona da casa era a mais preocupada - nada poderia dar errado naquela noite de Natal, planejada durante meses por Vera.
Olhando a expressão dos convivas, Vera decidiu ligar. Chamou, ninguém atendeu. Papai Noel esquecera o telefone em casa, ou não carregara junto, muito atrapalhado o tio Alcindo. Ano passado foi a mesma coisa: chegou em cima da hora, trazido pela empregada, sorrindo, bonachão. Agora ela está ali - ansiosa. Tudo pronto, todos esperando, e Papai Noel não chega.
A preocupação fazia a dona da festa caminhar impacientemente de um lado para o outro, percorrendo peças, conferindo detalhes, como se procurasse alguma imperfeição, falha escondida ou deslize - mas faltava Papai Noel, era isso. Sorria para os convidados, dizendo em voz baixa para si mesma, arrependida, que já deveria ter pedido para De Lourdes trazê-lo.
Lembrou de ir ao quarto da empregada, onde andaria? Entrou decidida a pedir que ela fosse atrás de Noel, talvez o tio estivesse perdido num bar, conversando com algum vizinho, esquecido, quem sabe esperando na rua. Sabe-se lá: o velho era de aprontar com a família.
Abriu a porta no instante em que De Lourdes terminava de pôr a saia.
No canto oposto da minúscula peça, deitado na cama, de touca e cueca, mão no peito, a outra caída para o chão, Papai Noel estava morto.
Assustada com a presença repentina da patroa, os olhos esbugalhados, a empregada repetia:
- Morreu do coração, morreu do coração!