Balanço
O balanço das crianças lá fora. Há duas horas observo, aqui sentado, a brincadeira delas. Seus movimentos transmitem a mim a paz que só agora encontrei. Observar. Venho às festas infantis e realmente vejo as crianças, a pureza e espontaneidade de seus atos. Como soam chatos e previsíveis os adultos nas suas estratégias infantis de dissimulação. O balanço dos adultos é outro.
Um dia eu brinquei ali e acabei me machucando em coisas que pareciam macias inicialmente, depois, tinham a forma verbal de um arranhão, de um tombo de bicicleta. Sensação de que as coisas ao meu redor se perdiam em gestos e palavras desprovidos de sentido. Incrível como são os adultos fora do seu habitat natural. Chegava àquelas reuniões como acompanhante de criança em festa infantil e logo me entediava. Brincar, isto não era possível: é proibido aos adultos se divertirem muito. Atrapalham. Havia apenas uma maneira de não acontecer isso. Era parado. Feito brinquedo abandonado. Numa festa de criança, o comportamento social mais aceito é a parvalhice. O sujeito se fazer de tonto. Entupir-se com doces, salgados e refrigerantes, e depois ficar abobalhado num canto. Você só não pode brincar. Aquilo deixa qualquer um tonto. Os adultos são péssimos nesse brinquedo. Escolhem sempre a hora errada.
Como disse – muito ali me machuquei. Apanhava uma taça de cerveja e ficava remexendo o líquido na borda, estudando seu balanço. Era móvel esse balançar, transparente, sedoso e por demais perigoso; mas será que ninguém aqui vê a quantidade de perigo existente numa festa infantil? Digo tudo isso mas não estranhem; sempre fico tonto e falo demais nessas horas. A distância entre a cerveja e o tombo é pequena. E se associo copos a balanço é porque preciso ser impertinente nesse particular. Jamais bebi aqueles olhos – tinha muita atenção no que fazia – e se caí do balanço não foi por estar embriagado pelo enlevo dourado da cerveja. Eu sonhava naquelas festas. Ser criança é sonhar, saber cair – lição que os adultos não aprendem – os adultos não sonham. Aprendem a controlar a dor que vem da queda.
Agora mesmo um caiu, levantou. Só bateu as mãos nas calças, fungou o nariz e se foi, voou correndo em busca de seu mundo colorido de travessuras.
Aqui também, ao meu lado, um outro caiu; segue o balanço do copo que está sentado do outro lado da mesa – doce abismo no empapado das falas. Devo por acaso avisá-lo do perigo? Da maciez que esconde escarpas? Não, eu sou o acompanhante, vim aqui só para cuidar de criança. Realmente não é o caso; ele precisa saber que o perigo mora naquele balanço. Aprender sozinho, caindo, feito bovino, babando, depois levanta, passa remédio, arde um pouco, demora mas cicatriza; está pronto. Esse é mais um que voa pelo mundo afora em busca de um balanço.